quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

No Balanço da Rede - Jennifer Trajano



 


O que a paraíba tem me revelado, neste meu bater de asas no céu da literatura, é que, graças aos vultos do passado que servem de inspiração e aos olhos que miram o futuro, a poesia em nossa terra não somente é prolífera, é também coisa de sangue! Acho eu, depois de olhar para os lados, que a palavra Paraíba já deveria ser sinônimo da palavra Poesia! 

No Balanço de hoje trago a vocês uma pessoa que não precisa das minhas apresentações, pois acho eu que todos, que conhecem um pouco do que está sendo produzido aqui na Paraíba no campo literário e poético, já conhecem e admiram esta poetisa.

Jennifer Trajano não somente é uma pessoa que escreve (o que já seria suficiente para este poeta), mas ela também é uma professora de língua portuguesa que propaga a poesia em cada passo de sua trajetória. Carregando seus versos no olhar e a sabedoria em sua boca, ela propaga o conhecimento com seus alunos, tanto os formais quanto nós seus alunos extraclasses.


Jennifer Trajano


Conheci Jennifer pessoalmente em um sarau e posteriormente lhe convidei para uma Live que realizo no Instagram (Vídeo ao final do texto). Muito me interessou aquela poetisa paraibana que possuía, e possui, a admiração de muitos poetas e poetisas da nossa cena. Quis conhecê-la. Conversamos, e eu pude observar de perto aquela jovem moradora da Ilha do Bispo que não somente era ativa nas redes sociais, mas que também se movia artisticamente no mundo offline.

Frisei esta questão do bairro, pois acredito piamente que o mundo ao nosso redor molda o que nós somos e os caminhos que escolhemos percorrer. A Ilha do Bispo é uma localidade de divisa entre os municípios de João Pessoa e Bayeux, e justamente por este motivo é, como todo local de divisa, bastante esquecido pelos poderes públicos. Cortado pela linha do trem que transita nas cidades da “grande João Pessoa” (Cabedelo, Bayeux e Santa Rita) e margeando o Rio Sanhauá, a Ilha do Bispo sempre nos presenteou com uma vocação artística marcada pela presença dos Tabajaras, povos indígenas que habitam a região desde sempre. Em contraste com a riqueza cultural, a pobreza social sempre foi outra marca deste que é um dos bairros mais antigos da nossa capital.

Ala Ursa Piragibe da Ilha do Bispo

Dessa forma, tenho plena certeza de que estas marcas estão tanto na trajetória de Jennifer quanto na sua poesia. Para afirmar isto busco duas referências. A primeira é a entrevista ao programa Literato da TV Cidade João Pessoa, em que ela afirma: “Eu fui a primeira pessoa da minha família a ter uma graduação, um curso superior”. A segunda é o poema que ela compôs em homenagem ao seu pai:

pedaço

a meu pai, Luiz Alberto Cavalcanti Lima

naquele tempo

em que eu não tinha

metade da tua altura

as tuas mãos

no guidom

me equilibravam


naquele tempo

em que eu tinha quase

metade da tua altura

teus pés pedalavam

meu caminho

até à escola


e todas as tarde

eram pintadas

com a cor vermelha

da bicicleta, tão forte

quanto a tua cor

nesse tempo aquarelado


hoje continuo o cântico

das duas rodas:

pedalo até o dia

em que eu tinha

metade da tua altura

e lembro do teu riso


manchado de poucos

dentes e cheio de graxa

graça que ultrapassava

o tempo

em que eu não tinha

metade da tua altura


hoje possuo

a mesma altura tua

e choro de amor

porque recordo todo

tamanho das tua mãos

que me subiam â bicicleta


sabendo que me deste

altura à altura

do que és

e te amo

com todo a certeza

de que fazes parte


de todos

os meus

tamanhos

[do andados

à

bicicleta]


neste tempo ultrapassado

que não passa

em que eu tenho

de ti internamente

mais da segunda

metade da altura tua


Estas duas referências demonstram uma cidadã que não tem medo de expor suas raízes e uma poetisa que, mesmo presente em sua localidade, precisa se aventurar em outros meios para cada vez mais evoluir como artista. Este é meu tipo de pessoa! Posso estar redondamente enganado em relação ao que estou afirmando, mas é esta a minha percepção após os meus contatos e as minhas pesquisas acerca de Jennifer.

Como citada anteriormente, eu realizei uma Live com a poetisa. Em nosso bate-papo encontrei uma pessoa simples, alegre e altamente inteligente. Após o encontro, devido a pandemia que nos assolava me impedir de adquirir antes, busquei o seu primeiro livro de poesias: Latíbulos (Editora Escaleras- 2019).


O livro, como muito bem explica a autora em sua entrevista ao programa Literato, tem sua divisão igualmente a uma missa, todavia a sacralidade é quebrada por poemas que não somente provocam, como também fervem os pecados de cada leitor. Latíbulos, ou seja, lugar onde moram os Deuses, ou também, lugar escondido, pode, na minha concepção, ser um lugar onde os poemas (os Deuses) estão escondidos, como também pode fazer uma alusão direta ao local de origem da poetisa, a Ilha do Bispo. Afinal, quase tudo cabe no ocultismo poético, desde ilhas a interpretações malucas. Abaixo alguns dos meus poemas favoritos do livro:

Varadouro


novela na tv

olhos na tela

cortinas amarradas

crateras no piso

da panela

- formigas em papel

Jesus de papel

brilhando na parede

volume alto

salto silêncio

de um gato

Dona Maria

da Dores

dorme sem notar

e os pirralhos correm

notando a rua

depois ela sai

para gritar

com a lua

que os respinga

sobre a terra


Passos


quando astros de galáxias

distante colidirem a olho nu

e a noite não menstruar a lua


quando pirâmides enquadrarem

arranha-céus e rasgando os céus

faraós aos seus postos retornarem


quando rainhas vikings saquearem

Jerusalém à sombra das oliveiras

e o santo graal jogarem ao mar


quando negras da época matarem

a branca escravidão com a força

da palavra de Conceição Evaristo


quando Dionísio não embriagar

 o eu-lírico de Hilda Hilst

só assim, Deus, tu virás a mim


Vejo que Jeniffer, como qualquer pessoa de discernimento, se permite evoluir. Buscando aqui as “Metamorfoses Necessárias da Vida” elaborada pelo filósofo Friedrich Nietzsche, vejo que a nossa poetisa passou, como a maioria de nós, pela fase do Camelo, fase em que precisamos, quando crianças, fazer reverência à tradição e seguir as “normas” estabelecidas pelos múltiplos poderes podadores. Porém, com seu livro Latíbulos, Jennifer rompe com o Camelo e abraça o Leão, momento em que há uma fragmentação da norma e que o espírito se permite a liberdade de conhecer a descrença (no sentido de duvidar e questionar tudo). Sendo assim, passando pelas duas fases iniciais da vida, a poetisa, segundo a teoria de Nietzsche, chega a fase da Criança. O termo parece contraditório, mas na verdade revela a afirmação da vida. É o momento em que o indivíduo encontra a potência e a liberdade da vontade, por isso o termo simbólico da Criança. Dessa forma, já adulta e plena de suas vontades e seus deveres, Jennifer lança o livro Diga aos Brancos que Não Vou:


Aqui encontramos a evolução citada, em que a poetisa deixa de olhar para dentro e começa abraçar o mundo. Ela nos traz poemas que representam múltiplas vozes e causas. Poemas que são eficientes em incomodar e em perturbar aqueles que ainda não realizaram suas metamorfoses e que continuam abraçados ao Camelo ou ao Leão. Não estou aqui dizendo que Jennifer concluiu seu ciclo e que ela é um sinônimo de sapiência e da perfeição humana. Talvez seja (risos). Mas o que quero dizer é que, na busca pela evolução do Ser, ela já está em um platô elevado e que agora caminha e constrói neste espaço. Abaixo os poemas que mais me tocaram no livro:


Povoação Índio Piragibe


há mentes ilhadas

na pedra-corpo

do Piragibe


todavia, há vias

às margens da via

oeste das vistas


a vir do mangue:

aqui o ba(i)rro é

de indígena, não de bispo


pátria


pela manhã vovó

mandava mainha

cozinhar congeladas

estrelas celestes

e as constelações

faziam brilhar

o fervor nas panelas


um dia nero visitou nosso céu

em tempo de cana com mel

e não havia ave

dormindo na

cadeira de balanço

ou vela de sétimo dia

para o gato na parede


então a comida queimou

e os corpos ficaram

pro dobrar os panos

e enterrado no quintal

o ventre da casa

que nunca foi nossa

perdeu o bebê


Gostaria de deixar bem claro que tudo que estou escrevendo aqui são as minhas percepções de Jennifer e que logicamente elas podem estar contaminadas pela minha admiração e a pela minha amizade poética. Mas um fato inegável é a grandeza desta que, sem dúvida nenhuma (me utilizando da personalidade profética dos poetas) será uma das grandes escritoras da nossa Paraíba. Sim, grande escritora. Pois, deixando um pouco os versos de lado, sem deixar a poesia, e se aventurando na prosa, em 2023 Jennifer lançou o seu primeiro livro de contos, o Pequenas Ampulhetas. Como, por falha minha, ainda não li o livro, deixo abaixo a excelente matéria do Jornal União sobre:


Repito constantemente, em todo lugar em que minha voz se faz presente, que gosto de gente que faz! Sou um admirador empolgadíssimo daqueles que, mesmo não estando totalmente lapidados (acho que nunca estaremos), metem a cara à tapa e gritam ao mundo suas belas verdades. Jennifer, as poucas vezes em que conversamos, me revelou isto: Verdade! Então nada mais posso dizer a ela além de um sincero e carinhoso: Continue, poetisa!




quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Cada Soneto Um Moído - Cria

 

Eu não tive pai. Meu pai não me assumiu como filho, por diversas circunstâncias que não vêm ao caso agora. Fui criado pela minha mãe, tias e avó. Não ter um pai não me causou nenhum trauma permanente, pois como eu nunca tive a presença dele, eu nunca senti falta. Em alguns momentos da infância e, posteriormente, na vida adulta senti a falta de uma figura masculina para me dar apoio. Todavia, foram necessidades momentâneas que rapidamente foram sanadas pela minha constante necessidade de seguir em frente.

Em 19 de Abril de 2022, meu filho Joaquim Gregório veio ao mundo. A parti do momento que ele saiu da barriga da mãe, eu amei. Palavra! Nunca senti o que sinto por ele por nenhum outro ser humano com quem convivi neste planeta. Várias vezes digo que a poesia me salva, essa foi uma delas. Joaquim era e é poesia viva. Seus olhos são meus guias. Por causa dele, eu sou o maior covarde do mundo, repleto de medos e receios. Por causa dele, eu sou o homem mais valente do mundo, disposto a tudo para protege-lo. E quando digo tudo, é tudo mesmo. Ele tem a minha vida em suas mãos e por ele abdico dos meus sonhos e passo a reconstrui-los ao seu lado. Ele é meu filho e eu sou o pai dele. Depois da morte, esta é minha única certeza nesta vida.

Dito isto, depois do nascimento de Joaquim comecei a me questionar: Como um homem pode ter um filho, ter um amor deste tamanho a sua disposição, e não usufruir? Como pode um homem abandonar um filho? Por que o meu pai me abandonou? Por que ele não sentiu por mim, o que eu sinto por Joaquim?

Foi diante destes questionamentos que fui procurar o meu pai. Descobri que ele estava morto há oito anos. Também descobri três irmãos. Descobri novos primos, tios e avós. Entrei em contato com algumas tias, irmãs do meu pai, após um longo período de indecisão. Para minha surpresa elas foram bastante receptivas e ainda hoje mantenho boas relações com elas. Meus irmãos não querem contato comigo. Normal, afinal eu sou um bastardo.

Falei para minhas tias que o motivo da procura eram os questionamentos citados acima. Elas entenderam e até me disseram que foi bom eu não ter tido contato com o meu pai. Me revelaram que ele não tinha sido um pai carinhoso e atencioso, provavelmente, acham elas, por ele não ter recebido isto do seu pai. Ele era um provedor e nada mais. Depois de todos estes encontros e depois de várias informações assimiladas, eu senti orgulho de mim.

Apesar de tudo que ocorreu em minha vida, e de todo ressentimento que eu poderia ter guardado, eu quebrei o ciclo! Eu não sou o meu pai. Sou o melhor pai que eu posso ser para Joaquim. Quero não somente estar presente para ele, eu quero que ele saiba que qualquer futuro que ele escolha percorrer eu estarei ao lado dele. Eu sou homem quebrado e sei o quanto é duro juntar os pedaços de uma vida de sucessivas pancadas, é por este motivo que não quero quebrar a vida de ninguém, muito mesmo do meu filho.

Hoje tenho a plena convicção que todos os pais (mãe e pai) são as criaturas mais abençoadas da terra por poderem observar diariamente uma vida se desenvolver. Criar um filho é uma aventura sagrada (no sentindo mais puro da palavra) e que constantemente nos engrandece.

Cria

Perco a dor de existir nos meus degredos

quando brilho nos olhos do meu filho!

Pulsa vida e meu pranto desvencilho

no sorriso que quer os seus brinquedos.

 

Que doçura ter lúdicos segredos

que no chão, junto a ele, compartilho.

E por ele me podo e me humilho,

pois eu sou um devedor dos seus enredos!

 

O meu sonho se perde convertido

em menores deleites sem valor.

Só meu verso tem firme se mantido,

 

revelando a matriz do seu frescor:

Toda noite a Poesia tem dormido

nos meus braços, coberta de Amor!


Clique no link abaixo para ouvir este soneto declamado:




quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Retalhos do Jornal - Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, na Capital da Paraíba

 

Me recordo claramente dos três primeiros momentos em que ouvi as canções do Rei do Baião, talvez o único rei legítimo da música brasileira, Seu Luiz Gonzaga. Sim, destaco três, pois vieram encarrilhados: Um alegre, um familiar e um triste!

Sei que isso é um assunto pessoal, mas confia em mim, tem tudo a ver com o Retalho de Hoje!

Data do Retalho: Terça-feira, 14 de abril de 1953

Jornal: O Norte

Título do Retalho: Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, na Capital da Paraíba

Autor: Desconhecido

O ano era 1996, eu estava lá com meus oito anos de idade. Este ano me marcou demais, pois vários perrengues, que não vêm ao caso, ocorreram, de formas que tenho vivida a memória dos acontecimentos naquele período. Sendo assim, o primeiro momento em que ouvi os acordes do Baião foram em junho, do ano citado, na quadrilha junina da escola.

Eu já havia participado antes desse momento de quadrilhas escolares, porém, devido ao que relatei, a recordação da deste ano traçou um risco em minha mente. Na festa, dividindo espaço com o sucesso da época, a Banda Matruz com Leite, escutei Seu Luiz cantando Riacho do Navio. Me lembro bem da minha curiosidade, não sanada na época, em querer saber que lugares era aqueles narrados na poesia. E que maluquice era aquela de um peixe querer sair do mar e voltar para o rio?

“Riacho do Navio

Corre pro Pajeú

O rio Pajeú vai despejar

No São Francisco

O rio São Francisco

Vai bater no meio do mar”


Já citei em outras colunas do meu encanto por romances e filmes de cavalaria. De algum modo, estes versos me lembravam essas histórias. Com nomes estranhos como "Riacho do Navio", que descreviam localidades distantes e mitificadas como "Pajeú", tudo aquilo acendia a centelha da fantasia na mente daquele menino sonhador que crescia nas ruas da cidade de Bayeux e que pouco tinha contato com o Sertão. Neste primeiro contato memorizado com a música do Velho-Lua, eu abracei a felicidade que seu ritmo oferecia e toda magia atemporal e oculta que há em suas melodias.

O segundo momento, ainda no mesmo mês junino, foi em uma viagem para o Sertão de que minha família é oriunda: O Casserengue. Íamos todos (primos, tias, avós) para casa de Tia Nina, irmã do meu Bisavô Manu. A casa dela ficava, e fica, localizada na zona rural do pequeno município. Lugar seco, pedregoso e castigado, que tem seu clima mais ligado a região árida do Curimataú do que a região Brejeira dos seus vizinhos úmidos, os municípios de Solânea e Bananeiras.

Recentemente, descobri que minha família está naquela região há mais de 250 anos, o que me enche de orgulho. Foram pequenos agricultores que em certo momento migraram para capital do estado. Mas foi lá, no Sítio Bolhões, entre conversas e brincadeiras, cercado de facheiros, palmas, agaves, rezes, bodes, galinhas, do sol poente e da fogueira que crepitava forte na frente da casa Tia Nina, que ouvi seu Luiz Gonzaga cantarolar lamentosamente:

“Numa tarde bem tristonha

Gado muge sem parar

Lamentando seu vaqueiro

Que não vem mais aboiar

Não vem mais aboiar

Tão dolente a cantar”


O terceiro momento em que o Gonzagão riscou na minha lembrança foi em uma reportagem, do programa Fantástico da Rede Globo, naquele mesmo ano. Ela narrava a seca que assolava o Nordeste e que se arrastaria para os anos vindouros de 1997, 1998 e 1999. Ainda procurei a reportagem para anexar a esta coluna, porém não encontrei. Nela, o repórter narrava o sofrimento de crianças, desnutridas, do Sertão pernambucano que tinham somente a Palma para comer, e comiam. Me recordo do choque que tomei ao ver crianças sendo obrigadas a comer a mesma comida que meus primos do Casserengue ofereciam aos rezes.

Tristemente, Asa Branca, foi reproduzida na reportagem como uma trilha sonora do sofrimento dos meus irmãos nordestinos. Ainda hoje me emociono ao lembrar daquelas cenas, ainda mais sendo hoje um pai, e sempre que escuto esta música em qualquer ambiente ou contexto uma melancolia toma conta do meu peito:

“Quando olhei a terra ardendo

Qual fogueira de São João

Eu perguntei a Deus do céu, aí

Por que tamanha judiação

Eu perguntei a Deus do céu, aí

Por que tamanha judiação”!


Seu Luiz Gonzaga, O Rei do Baião, foi e é o maior representante artístico do Brasil Real que nossa cultura produziu. Um verdadeiro monarca que, com as bênçãos de Santa Luzia, fez ecoar com sua voz todas as agruras e alegrias do seu povo. Uma entidade que, com uma coroa de flores de Jitirana, cantou os pássaros, as árvores e todas as belezas naturais do seu lugar. Um espelho de beleza, onde cada nordestino se enxergava vibrante, feliz e potente. O Nordeste, com todos os seus defeitos, ainda ama e idolatra o seu maior ídolo. Todo nordestino tem uma história para contar envolvendo e Velho-Lua. A prova disto é que, eu que não acompanhei sua atuação em vida, nas festas entre amigos e familiares, ainda pego meu triângulo e canto junto aos meus de peito aberto e desafinado:

"O meu cabelo já começa prateando

Mas a sanfona ainda não desafinou

A minha voz vocês reparem eu cantando

Que é a mesma voz de quando meu reinado começou"

Sobre o Retalho de hoje? É uma bela exaltação ao homem que conquistou o país com sua sanfona e que faria uma passagem pela capital do nosso estado, a Paraíba!





quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

No Balanço da Rede - Siélysson Francisco


Se buscarmos a analogia dos Racionais MC’s, na música Vida Loka, e tratarmos o mundo da internet como um lixão, então podemos afirmar que até no meio deste imenso deposito de sujeira podem brotar flores. E uma destas flores, talvez um Copo-de-Leite, seja o meu amigo e poeta Siéllysson Francisco. Pois foi desta forma, se destacando pelo Belo e pelo Conhecimento, que ele chegou até à tela do meu celular.

Eu pesquisava sobre a história da Paraíba e, consequentemente, esbarrei na história do município de Santa Rita, tão importante em nosso desenvolvimento estadual. Graças aos transmissores que conectam o universo, nesta pesquisa, vi que havia a indicação de vídeos sobre o tema e os vídeos eram justamente de Siéllysson.

Cliquei e assisti o primeiro!

Siéllysson é graduado e licenciado em História pela Universidade Federal da Paraíba, especialista em História do Brasil pela FIP, Mestre em Ciências das Religiões pela UFPB. Além, da autoria do livro "Santa Rita: A Herança Cristã do Real ao Cumbe" (Ed.Ideia), é também co-autor de outras publicações, dessa forma, repleto de propriedade acerca do patrimônio histórico e cultural da Paraíba e do município de Santa Rita , este professor começou a me ensinar com seus vídeos.

Siéllysson Francisco

Eu que sempre fui um curioso, e sempre gostei de me aproximar das pessoas que, acima de tudo, produzem, fui procurar conhecer melhor aquele professor. Entrei em contato e conversamos. Graças a Deus, ele foi receptivo e desse modo começamos uma amizade que perdura até os dias de hoje, quase três anos depois. Afirmo: Para este poeta que vos escreve, uma das maiores alegrias que ele pode ter na vida é o poder de se conectar com pessoas a partir da centelha do conhecimento, da literatura e da poesia! Sendo assim, fiquei, e fico, imensamente feliz ao dialogar com Siéllysson. Abaixo um vídeo didático de seu excelente canal e o nosso bate papo sobre o Cordel Brasileiro:




Siéllysson é natural e reside no município de Santa Rita, e tem orgulho disso! Não por um sentimento bairrista qualquer, mas por uma conexão e um amor profundo com a sua terra. Sentimento este, que não somente admiro como imito. Pois como todos aqueles que verdadeiramente amam, ele não só ama platonicamente, ele se move. O poeta e professor conhece todas as vielas, ruas, prédios e vultos históricos da sua cidade. Certa vez, ao lhe dar uma carona, passamos por uma casinha charmosa no centro da cidade e eu comentei com ele como ela era bonita. Para minha surpresa, ele sabia toda a história da casa e da família que residia nela!

Primeiro livro de Siéllysson

O Professor produz e personifica o seu lugar. Pelas nossas conversas, acredito que desde muito cedo ele entendeu, como historiador e cidadão, que deveria preservar a riqueza, imensa, de Santa Rita. Como um bom filho que busca conhecimento no mundo, mas que retorna para transformar a sua família, Siéllysson valoriza, constrói e dissemina as potencialidades do seu povo, do seu lugar!

Produção de vídeos (didáticos, poéticos, encenados, entrevistas), Colunas em vários canais informativos, livros lançados, eventos poéticos, movimentos culturais, valorização dos artistas locais, Siéllysson caminha por todos estes ambientes com a maestria de quem não somente conhece as veredas, mas como também aquele guia e apresenta novos lugares, novas possibilidades. Se isso não é sinônimo de um Mestre, eu não sei mais de nada.

Não bastasse isso tudo, Siéllysson é poeta! Sou cooperativista (se é que isso existe na poesia) e defendo e exalto os meus. Ser poeta não é somente escrever palavras e sim ter em seus olhos um modo diferente de enxergar o mundo. Em sua poesia sinto muitas dores, mas acho que elas, as dores, foram feitas, em certa medida, para engrandecer o ser. Seguidor, acho que posso revelar isto, de Drummond e de Vinicius de Morares, o poeta santarritense nos revela a mesma simplicidade direta e poderosa do mestre Itabirano e a doçura sensual de mestre Fluminense.

Primeiro livro de poemas de Siéllysson.
Alguns poemas abaixo: 

Sombra e Luz

A dor em minha vida
é uma transfusão para o papel,
isto não quer dizer que seja antídoto
apenas um breve alívio.

Nascemos sem receita e
sem mapa para a felicidade.
Inventamos os caminhos ilusórios.

Na sombra de nossas almas
há muito dos deuses
E quase nada de resposta

Sem Órbita

Desligo o celular,
preparo chá de erva doce
sem açúcar, como sempre.

Saio de órbita,
sigo o silêncio,
bebo dos Beatles
recuperando minha energia perdida
nas galáxias vizinhas.

Não corto os pulsos, corto o cordão umbilical
que me prende a este mundo
e sigo em versos que só eu entendo.

Silêncio das Palavras

Olho para folha em branco
sinto tristeza, porque hoje ela continua em branco
não consigo escrever nada.
Tenho ideias, mas elas não se sentam na esfera do meu mundo
e assim como uma poeira cósmica flutua no meu infinito
sem deixar rastros,
sem nenhum escrito.


Siel, como chamam todos aqueles que o amam, faz da poesia seu respirar! E ao transpirar ele trata e cuida dos seus amados, sempre de ouvidos atentos e olhar encorajador. Na sua casa ele acolhe! Ahhh a sua casa! Sinônimo de sonho, ela é um personagem à parte: Linda, bem cuidada, de um bom gosto incrível e extremamente aconchegante e acolhedora! Posso afirmar que ela é a personificação da alma do meu amigo!

Casa de Siéllysson

Na sua casa, ele organiza o Sarau do Cafofo. Evento privado e seleto (faço questão de frisar isto por me sentir privilegiado de ser convidado) no qual o poeta seleciona pessoas das mais diversas artes para, em noites regadas a risadas e a conversas prazerosíssimas, propagar nas almas a poesia. Eu já disse inúmeras vezes a Siéllysson o quando me faz bem poder estar no meio de pessoas tão inteligentes e mais capazes do que eu. Saio sempre renovado e em êxtase das edições do Sarau, que esse ano, completa dez anos de existência e que, com a graça aos Deuses, acontecerá por longos anos.

Sarau do Cafofo

Siéllysson já me falou, mais de uma vez, das críticas que recebe, e que recebeu, no decorrer da sua caminhada. Me relatou as suas decepções acerca das pessoas. Já me narrou, mais de uma vez, que pensou em desistir da arte e de todo ônus que ela impõe. Contrapus sempre estes seus argumentos. Sou um esperançoso, apesar de tudo, e reafirmo aqui ao meu amigo: Para saber se a gente presta, basta olhar quem está do nosso lado! A canalha encontra sempre a solidão. Ao contrário de Siel que está sempre cercado de alunos, familiares e amigos! E posso afirmar, sem sombra de dúvida, estes últimos estão sempre dispostos a embarcar em suas loucuras artísticas, pois talvez enxerguem o grande ser humano que descrevi no decorrer deste texto.

Avante, meu poeta! Avante, Siel! O mundo precisa de nós, dos que são loucos suficientes para sonhar, e nós precisamos um do outro! Pois como dizia Raul:

Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto, é realidade

Siléllysson Francisco e Igor Gregório





 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Cada Soneto Um Moído - Foral

 


O que a História nos comprova é que o Amor é o maior vilão da Humanidade, tomando como base que somos todos feitos para a mal, é claro! Ele sabota todos os nossos planos. Sempre perdoando, estendendo a mão e trazendo em seus poemas os versos da Empatia. Por estes motivos, o Amor sempre foi espancando, açoitado, incriminado e crucificado no decorrer da nossa História. Mas como todo Ser que é oprimido, o Amor se engrandece, se mitifica e se eterniza através do sangue e da dor.

Paulo em carta aos Coríntios verseja: "O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta".

E não é verdade tudo isso? Quem dirá que não? Eu? Jamais! Amo, e por isso sei da importância destes versos! Amo e constato em nossa saga humana toda a dificuldade deste meu companheiro através das estradas do mundo. Observo com meu coração, os grandes desafios e monstros que o Amor, este Paladino da Esperança, enfrenta. Mas ao contrário de outros guerreiros, este não os derrota, mas conecta-se aos seus algozes em uma simbiose fantástica entre o desafiado e o desafiador. E provo o que afirmo:

Até a Convivência, esta Jurema espinhosa que emerge nos campos dos dias, precisa do Amor para crescer. Até o Perdão, este mourão que divide os caminhos da vida, precisa do Amor para se impor. Até os Olhos, estes sois julgadores e causticantes precisam do Amor para se abrandarem. Até a Lágrima, este córrego em que se banha os sentimentos, precisa do Amor para jorrar de sua fonte.

É por estes motivos que é tão importante versá-lo. Todo herói precisa ser idolatrado e propagado para inspirar as novas gerações. Seus feitos precisam ecoar e suas conquistas devem ser comemoradas! E neste planeta não há nenhum herói mais poderoso que o Amor!

Foral

Eu registro por este, com a pena

magnífica do sangue de Jesus,

que um poema singelo eu compus

ao beijar tua alma tão serena.


Eu confirmo por este, com a plena

esperança que sempre nos conduz,

que tu és um regalo, minha luz,

ante o mal que queima e que condena.


E que voe pelas Linhas do Infinito

o riquíssimo, raro e riscoso rito

de um Amor que proclama: – Eu existo!


E cuidemos! Pois, nada é definitivo

no Existir que nos diz afirmativo:

– Todo Amor que há no mundo é um Cristo!


Clique no link abaixo para ouvir este soneto declamado:






sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Retalhos do Jornal - Quatro Viúvas de Cantadores

Os registros no campo da Cultura Popular Brasileira ainda são bastante incipientes diante dos outros escopos de estudo, e se não fosse pela iniciativa de alguns indivíduos eles estariam totalmente perdidos. Várias pessoas singulares desapareceriam nas linhas da história. Versos, loas e danças seriam somente uma lembrança remota e perdida na mente das proles que já vivem em outro tempo, numa outra realidade.

Resguardar este tipo de conhecimento não é uma obrigação e sim um prazer. Percebo isso quando leio pesquisadores como Silvio Romero, Lourdes Ramalho, Câmara Cascudo, Oswaldo Lamartine, Altimar Pimentel, Ariano Suassuna, Mário de Andrade, Gustavo Barroso, Rodrigues de Carvalho e o pesquisador que, sem intenção, acabou nos gerando o Retalho de hoje: Leonardo Mota!

Data do Retalho: Quarta-feira, 4 de abril de 1956

Jornal: O Norte

Título do Retalho: Quatro Viúvas de Cantadores

Autor: Juarez Furtado Timóteo

Antes de apresentar o Retalho “principal”, gostaria apresentar a figura singularíssima do escritor e folclorista Leonardo Mota, assim como alguns Retalhos encontrados a seu respeito:

Câmara Cascudo descreve assim Leonardo Mota: “Era ele mesmo o sertão. Um toro de aroeira, ardendo ao sol do Ceará, povoado de violeiros e sonoro da estridência desafiante das pelejas cantadeiras. Baixo, grosso, impetuoso, a máscara risonha, irradiante de simpatia, irresistível de comunicabilidade". Leonardo Ferreira da Mota Filho veio ao mundo no dia 10 de maio de 1891, na cidade de Pedra Branca no Ceará. Ainda na primeira infância mudou-se com sua família para Quixadá, também no Ceará, onde estudou e passou meninice. No Ginásio, no Mosteiro de São Bento na Serra do Estevão, começou logo cedo a praticar sua afamada oratória. Em 1909 forma-se em Ciências e Letras pelo Lyceu do Ceará. Em 1916, forma-se em Direito na Faculdade do mesmo estado.

Seu primeiro trabalho editorial foi na revista A Jangada. Nesse meio tempo, em 1912, Leonardo vai para cidade de Ipu e ali assume a direção do Instituto José de Alencar, sendo neste período em que o Leota, cognome do nosso folclorista, se apaixona por toda poesia dos Vates Sertanejos: Cantadores, cordelistas e poetas populares! Ainda no Ipu, em 1912, Leonardo casa-se com Luiza Laura de Araújo, com quem vem, posteriormente, ter seis filhos. Em 1913, funda no Ipu a Gazeta do Sertão, e a partir daí tem início a sua carreira de profissional de imprensa, escrevendo para vários órgãos noticiosos do Ceará e do Brasil. Após sua formação em Direito, em 1916, vira oficial de gabinete do então Governador do Estado, na mesma época foi nomeado diretor da Gazeta Oficial.

Leota na primeira edição do livro Cantadores

Publica, em 1921, o livro Cantadores pela Livraria Castilho do Rio de Janeiro. O livro é um estrondoso sucesso em todo o país, tento a tiragem de sua primeira edição aumentada pelo editor A.J. de Castilho devido a quantidade de cartas que solicitavam o singular registro.

No livro, o Leota, relaciona cinco cantadores: O Cego Symphronio, Jacob Passarinho, Sebastião Candido dos Santos (Azulão), o Cego Aderaldo, Luiz Dantas Quesado e João Faustino (Serrador). Vários são os versos (de memória e improviso) recolhidos por Leonardo com os próprios cantadores. De leitura leve e divertida o livro ainda hoje é de fácil acesso para aqueles que o buscam, pois obteve várias edições. Vale também salientar que o livro foi o primeiro do seu gênero a revelar ao leitor a face dos poetas populares, tanto em sua capa quando no seu corpo:

Capa da primeira edição do livro Cantadores, 1921

Além da descrição acima, vale ressaltar uma coisa que não se vê no meio dos improvisos e desafios de cantadores nos dias atuais, ou que pelo menos é muito raro, a peleja entre viola e rabeca.

Leonardo Mota na Paraíba divulgando o livro Cantandores
Jornal O Norte, quinta-feira 2 de julho de 1921

José Américo de Almeida sobre a Conferência de Leonardo Mota na Capital Paraibana
Jornal O Norte, quarta-feira, 1 de Junho de 1921 

Após o sucesso de Cantadores (1921) Leonardo publica na sequência: Violeiros do Norte (1925); Sertão Alegre (1928); No Tempo de Lampião (1930); Prosa Vadia (1932); Padaria Espiritual (1938) e Adagiário Brasileiro, uma obra póstuma lançada em 1982 por seus filhos Orlando Mota e Moacir Mota.

Destes, li Violeiros do Norte, logo após a leitura de Cantadores, e percebi algumas diferenças: O primeiro foca em cinco cantadores, conforme relatado acima, o segundo é narrado como uma palestra, como uma transcrição do que Leonardo levava ao público em suas andanças pelos teatros e salões do Brasil. Em Violeiros do Norte, Leota nos apresenta versos de vários cantadores do Nordeste, dos mais afamados aos mais incógnitos. Transcreve pelejas, folhetos e histórias. Compara versões, contrapondo os seus registros com os de Gustavo Barroso e Rodrigues Carvalho. Também de fácil leitura e fácil acesso Violeiros do Norte foi um sucesso, a prova no Retalho abaixo:

Capa da primeira edição de Violeiros do Norte (1925)
pela Editora Monteiro Lobato


José Lins do Rêgo sobre a reimpressão do livro Violeiros do Norte de Leonardo Mota
Jornal O Norte, segunda-feira, 28 de Março de 1956


Quando bati os olhos no Retalho que hoje trago à luz, senti uma daquelas alegrias reveladoras que somente os historiadores e arqueólogos devem sentir. Era como se, além da descoberta do preciosíssimo livro Cantadores de Leonardo Mota, eu conseguisse ir além, e cavando mais um pouco encontrasse mais outra pepita da Cultura Popular.

Apesar da alegria inicial, ao ler o registro de Juarez, foi adentrando no meu ser uma melancolia ao perceber que as linhas deste Retalho eram repletas de injustiças e abandono. Meu elevadíssimo Leitor, o inigualável Machado de Assis disse certa vez, enfatizando a importância do jornal impresso: "Hóstia social da comunhão pública", dessa forma, eu busquei toda empatia de minha alma e os olhos do Cristo para traduzir que eu lia neste triste Retalho.

Vi, mais uma vez, o quanto é injusta a vida dos Mestres Populares, que tanto doam ao Brasil, e como é também injusto o abraço dos pesquisadores que se debruçam sobre a Cultura Popular. Estes pesquisadores que oferecem as maiores atenções aos Mestres Populares, capturando tudo que há de mais precioso em suas vidas, para em seguida espalharem em suas obras pelo mundo. Mas, após este abraço tão apertado, vão embora e nunca mais se fazem presentes. Sem se preocupar com o retorno, sem praticar a gratidão e sem dividir o pão!

No Retalho podemos ver o estado de penúria de quatro viúvas. Esposas de quatro dos cinco Poetas listados e debulhados por Leonardo Mota em seu livro Cantadores. Quem faz o alerta para a mazela em que vivem estas viúvas é o também cantador Siqueira Amorim, representando a Associação dos Cantadores do Ceará. Gostaria também de ressaltar as figuras do jornalista cearense Juarez Furtado Timóteo e do Jornal O Norte aqui da Paraíba, que, tão distante do lugar de origem do relato, fez com que olhos mais caridosos pudessem enxergar daqui, do solo paraibano, todo este abandono.

Como provocado acima, este Retalho nos expõe esta contradição: Ao mesmo tempo que estes pesquisadores propagam, e muitas vezes eternizam nas páginas do Tempo, estes Mestres da Cultura Popular com suas obras, também, após realizarem seus trabalhos, estes pesquisadores abandonam e não dão nenhuma espécie de apoio aos referidos Mestres. Raros são os casos dos pesquisadores que retornam. Raros são os casos dos que tentam amenizar a situação de penúria que muitas vezes estes Mestres vivem.

Curiosamente, com muito esforço, há casos de Mestres que escrevem suas próprias histórias, e de seus companheiros de arte, sem precisar dos “holofotes” destes pesquisadores. Trago aqui três exemplos paraibanos: O primeiro é José Alves Sobrinho, cantador e autor de vários livros, entre eles preciosíssimo o Cantadores, Repentistas e Poetas Populares. O Segundo é Francisco das Chagas Batista, poeta e editor, que escreveu o histórico livro Cantadores e Poetas Populares. O terceiro e valioso exemplo é José Costa Leite, poeta e xilogravador, que escreveu em verso sua própria biografia, descrevendo, além de sua vida, sua arte. Abaixo os livros apontados:



O elevadíssimo Leitor pode me perguntar: “Mas Igor o que podem fazer estes pesquisadores, além de revelar para o mundo estes Mestres? Que tipo de auxílio podem eles oferecer”? E eu respondo: Podem fazer o que Leonardo aparentemente não fez! Levá-los, no caso do livro Cantadores, se não todos pelo menos algum Cantador, em suas andanças pelo Brasil na propagação de seu livro, e pagá-lo de forma justa. E se não pode levá-lo, pague-o! Divida seu lucro em cima da obra do outro!

Leonardo fez palestras em vários estados da nação. Teve seu livro Cantadores premiado na categoria Folclore pela Academia Brasileira de Letras. Foi um intelectual de certa forma bem sucedido. Tinha acesso livre a governadores e outras autoridades. Gozou de todos os benefícios do “Brasil Oficial” (buscando mais uma vez Machado) chegando até a ser presenteado com um cartório (o que era, e é até hoje em dia, uma mina de ouro) pelo governador do estado, sendo assim, a meu ver, poderia auxiliar de forma mais efetiva os vates populares que tanto elevaram indiretamente o seu nome.

Bom, nos dias hoje temos leis de incentivo a cultura que podem ser utilizadas para este "retorno". Mas quantos destes pesquisadores/fomentadores culturais incluem os Mestres em suas propostas? Estas leis de incentivo, que de certa forma fornecem dinheiro aos artistas, estão mirando em quem? Nos produtores culturais que possuem preparo e expertise para preencher os complexos requisitos dos editais ou nos Mestres que muitas vezes não possuem este preparo e nem amparo para participar de tais leis?

Não estou aqui apontando dedos. Não quero crucificar ninguém, muito menos Leonardo Mota. Longe de mim! Não estou dizendo aqui que os pesquisadores listados no início desta coluna fizeram isso, mas estou afirmando que esta prática, por vezes maléfica, de “garimpo cultural” é bastante comum no meio da Cultura Popular.

Vários são os casos em que Mestres têm suas obras exploradas por pesquisadores e que posteriormente são esquecidos! Ninguém é obrigado a ajudar ninguém, mas também ninguém é obrigado a sair de casa e explorar os dons de ninguém! Talvez isso tudo passe até pela forma escravista na qual foi criado nosso país, onde o individuo escravizado não era considerado uma pessoa e sim um produto a ser explorado. Eu me julgo, e isso é o que realmente importa, pois meu papel aqui é aprender: Será que não ajo assim? Será que estou caminhando por estas veredas? Quem ganha com ações desse tipo? O simples fato de expor estas obras para o mundo é retribuição suficiente? Pelo Retalho abaixo a resposta é não:

Jornal O Norte, quarta-feira, 4 de abril de 1956










domingo, 3 de dezembro de 2023

No Balanço da Rede - Dayane Rocha

 


Hoje começo no meu blog mais uma coluna, e nela direciono os meus olhos para o futuro. Irei falar sobre poetas que convivo, poetas que estão produzindo e compartilhando nas redes os seus pensamentos e poemas. Sempre tive interesse de fazer algo assim, pois há uma percepção, na população geral, que o poeta é um ser do passado, distante e inacessível.

Não sou crítico literário! Sou apenas um poeta que gosta de descobrir e ler outros poetas. Aqui irei relatar um pouco sobre a trajetória e revelar alguns poemas dos meus homenageados. Irei falar da minha experiência ao conhecer, conviver e ler cada um. Tomo partido: Todos os quais relatarei aqui tem um lugar cativo em meu peito. São pessoas do meu agrado, mas que sim, os considero talentosos. Falo isso não para limitar ou separar, mas para ser honesto comigo e com os elevadíssimos leitores.

Logicamente, no decorrer da minha caminhada pretendo sempre descobrir, abraçar e trazer novos poetas para minha vida e para este espaço. Afinal, como dizia Chico Buarque: "Vamos botar água no feijão", que está sempre chegando gente. Mas hoje começo com uma queridíssima poetisa: Dayane Rocha!

Vamos balançar:

Conheci Dayane acessando o perfil do Instagram do querido Du Leal, pois ele tinha compartilhado um vídeo no qual Dayane recitava uma estrofe na modalidade poética do Galope a Beira Mar:

Fiquei mais contente com tua chegada
que trouxe tesão carinho e afeto
pro peito que estava ficando sem teto
sem ter outro peito pra fazer morada.
Vão ficar meus versos por entre a estrada
quando essa história for ultrapassar.
Não serei a mesma quando isso passar
nem serão mais tuas minhas poesias
restaram lembranças desses nossos dias
nos dez de galope da beira do mar!

Impactado com os versos: "pro peito que estava ficando sem teto / sem ter outro peito pra fazer morada", imediatamente comecei a seguir aquela poetisa que, para o deleite de todos, estava compartilhando seus lindos escritos nas redes sociais. Dayane é natural de Afogados da Ingazeira e reside em Brejinho, distrito da cidade Tabira, que fica localizado ali, nas costelas da Paraíba, no Vale do Pajeú pernambucano. De formas que eu, residindo aqui na capital da Paraíba, não iria conhecer ela tão facilmente sem a ajuda das redes sociais. Me utilizando do pretexto principal das redes, que é aproximar, me aproximei desta poetisa. Conheci mais os seus versos e conversamos virtualmente criando uma amizade poética. Porém, foi somente no festival em homenagem ao poeta Zeto do Pajeú, acontecido no Recife, que tive a oportunidade de abraçar Dayane e conhecer um pouco mais de sua alma.

Dayane Rocha Lira

Não quero entrar aqui nos pormenores da educação formal da Dayane, pois para os poetas, apesar de essencial para todos, isso é irrelevante. Quero focar mais na sua trajetória com os sentimentos. Lá no calor do Recife, Dayane me confessou um pouco sobre as dificuldades de uma mãe solteira que precisava se performar em várias para cuidar da sua casa, do seu cavalo e do seu amor maior: Seu filhinho Ian!

Dayane começou a fazer verso lá pelos 11 anos de idade. Brincava de fazer verso na escola. E talvez essa seja a forma mais linda e certa de se criar um poeta: Brincando! Foi assistir a primeira Cantoria de Viola na adolescência. Se apaixonou não somente pelas formas poéticas dos cantadores, mas especialmente pelo improviso, pelo repente, pelo mote, pela glosa! E é aí onde ela brilha: Foi galopando no seu cavalo, Cancão, por sua trajetória como uma vaqueira que rompe o mato fechado, com sua roupa de couro que simbolicamente é representada pelo seu caráter. Parando somente numa mesa de glosa, para beber uns motes e matar sua sede poética.

Sobre a mesa de glosa, para aqueles menos atentos a poética do Romanceiro Nordestino, trata-se de uma mesa onde se juntam três ou mais poetas para glosar (improvisar) versos a partir de Motes previamente escolhidos. Essas mesas tanto podem ser organizadas formalmente, onde há cachê ou premiação, quanto informalmente, por pura diversão.

Dayane, juntamente com a poetisa Elenilda, foi pioneira nas mesas de glosa do Pajeú. Pois, como vários escopos da nossa sociedade, as mesas eram dominadas pelos homens e pelo machismo. Ambas levaram a voz da mulher e começaram a implantar nestas mesas vários outros temas que até então não eram considerados. Deixo um trecho da entrevista de Dayane concedida ao Jornal O Globo, em ocasião da FLIP - Feira literária de Paraty, relatando um pouco deste percurso:

"Faço poesia erótica e falavam: "Lá vem ela com aquela safadeza". Quando era a deles, tudo bem... Em seguida, tinha o assédio, achavam que era um convite. Tenho um livro de cordel erótico e engraçadinhos diziam: "Mas você vem junto?" - lembra Dayane. - Sempre estivemos no lugar de musas inspiradoras, por isso, para eles é natural falar dos nossos corpos. Mas quando a gente fala dos nossos desejos..."

Folheto de conteúdo erótico de Dayane

Inspirada pela coragem de mulheres poetisas da sua própria região, como Mocinha de Passira, Rafaelzinha e Severina Branca, Dayane continuou insistindo nas mesas de glosa e junto de outras poetisas da sua contemporaneidade fundou o coletivo Mulheres de Repente, o qual se propõe a revelar uma nova postura das mulheres, tanto no cenário das Mesas de Glosa, como no cenário poético como um todo.

Mulheres de Repente

Mesa de Glosa

No evento em que conheci Dayane pessoalmente, a Festa em homenagem ao Poeta Zeto do Pajeú, ela participou de uma pequena Mesa de Glosa. Sinto por não ter gravado suas glosas naquele dia, pois me recordo que foram muito boas. Mas pesquisando sobre a poetisa, encontrei alguns registros seus. Um deles está em um trabalho de conclusão de curso: PAJEÚ: O RIO ENCOSTA AS MARGENS/ NO ECO DE NOSSA VOZ de GABRIELLE VITORIA DE LIRA. Deste trabalho pincei alguns ótimas estrofes de Dayane: 

Mote:

Nossa voz é Resistência
na favela e no Sertão!

Glosa:

Resistir, eis o dilema
da nossa voz que ecoa.
Vim a terra da garoa
para molha meu poema.
Vamos quebrar o sistema
que tanto prega opressão.
Como fez Marco Pezão
durante sua existência.
Nossa voz é Resistência
na favela e no Sertão!

Mote:

Bares, praças e calçadas
são palcos da poesia!

Glosa:

Noite, palco dos poetas
do bailar das rimas loucas,
onde passam tantas bocas
em glosas analfabetas.
Onde almas inquietas
caminham sem teimosia
e o colo da noite fria
embala dores geladas.
Bares, praças e calçadas
são palcos da poesia!

Porém, todavia, entretanto Dayane não é poetisa somente de Mesas de Glosa, coisa que já é coisa demais, é também uma sonetista de primeira linha! No livro "Coletânea das Flores, Poetisas do Pajeú" organizado por Dayane e por Bruna Tavares, podemos encontrar alguns destes belíssimos sonetos. Vale ressaltar a qualidade na métrica, na rima, na oração, mas também na construção do soneto, o desenvolvimento da ideia e as conclusões perfeitas:

Cinza

Era cinza a tarde amordaçada,
sem vestígios de telas e de cores.
Só restou uma cor acinzentada
e um véu cor de cinza entre as flores.

Era cinza o aroma dos amores,
tinha cinza na beira da calçada.
Era cinza o clarão da madrugada,
tinha cinza queimando algumas dores.

Era cinza o cenário que eu via.
Era cinza o pincel da poesia.
Era cinza, só cinza e nada mais.

Era cinza o meu pranto que pingava.
Era cinza o meu sangue que sangrava.
Era cinza, era cinza a cor dos "ais".

Agonias

Horas vagas, lembranças, agonias
riam dentro de mim, como crianças.
Dos meus olhos pra fora, dores frias.
Dos meus olhos pra dentro, mil lembranças.

Nunca mais encontreis as esperanças
que perdi, procurando as alegrias.
Só restaram lamentos e vinganças
no inferno das minhas poesias.

Madrugada, loucuras, devaneios
alguns vultos trazendo os versos feios.
outros com as saudades mais bonitas.

Quem sou eu? Sou mais uma rima alheia.
Sou menor que o menor grão de areia
carregando paisagens infinitas.

Coletânea das Flores Poetisas do Pajeú

Conversei com Dayane no mês passado (Novembro/2023) numa transmissão online, abaixo está o registro. A conversa foi massa. Nela, recitei os sonetos, descritos acima, como forma de homenageá-la. A poetisa também recitou alguns poemas deixando esse papo leve e sorridente. Ela também me revelou que prepara o seu primeiro livro de poesias "Virada no Mói de Coentro" para o ano que vem (2024). Espero ansiosamente!



Na já tradicional Festa de Louro, evento cultural em homenagem ao poeta Lourival Batista que ocorre no mês de janeiro em São José do Egito, eu e Dayane tivemos uma proximidade maior. Conversamos sobre os poetas do Pajéu, sobre poesia e sobre a vida. Ah! E Claro recitamos muitas poesias com os amigos. Uma coisa que me chamou atenção neste encontro foi que eu percebi que o poeta não é somente aquele que faz poesia, mas sim aquele que vive a poesia! Porém, como ele vive a poesia e a poesia se transmuta em sua vida, assim como a vida, ela não é fácil. A convivência é difícil, conflituosa, mas, também, assim como a vida, é extremamente prazerosa.

Nas conversas com Dayane vi uma mulher moldada em dois extremos: Nas mazelas da vida e na poesia (escrita ou vivida). Uma dualidade aparentemente dispare, mas que confluem e formam um ser sorridente, cheio de vida e com um olhar melancólico sobre tudo e todos. Assim a vejo! Gosto de gente assim! Gosto de pessoas que são múltiplas, confusas e que ao mesmo tempo são doces no meio de tanto amargor. Não sei se neste texto eu fiz jus a pessoa de Dayane e a sua poesia, deixo para ela me dizer, mas que fique bem claro o quando admiro esta poetisa que, acima de tudo, é gente!

E eu lembro que minha Avó dizia quando ela conhecia uma pessoa que tinha caráter, quando ela conhecia uma pessoa que gostava e admirava: Ela é gente!