domingo, 3 de dezembro de 2023

No Balanço da Rede - Dayane Rocha

 


Hoje começo no meu blog mais uma coluna, e nela direciono os meus olhos para o futuro. Irei falar sobre poetas que convivo, poetas que estão produzindo e compartilhando nas redes os seus pensamentos e poemas. Sempre tive interesse de fazer algo assim, pois há uma percepção, na população geral, que o poeta é um ser do passado, distante e inacessível.

Não sou crítico literário! Sou apenas um poeta que gosta de descobrir e ler outros poetas. Aqui irei relatar um pouco sobre a trajetória e revelar alguns poemas dos meus homenageados. Irei falar da minha experiência ao conhecer, conviver e ler cada um. Tomo partido: Todos os quais relatarei aqui tem um lugar cativo em meu peito. São pessoas do meu agrado, mas que sim, os considero talentosos. Falo isso não para limitar ou separar, mas para ser honesto comigo e com os elevadíssimos leitores.

Logicamente, no decorrer da minha caminhada pretendo sempre descobrir, abraçar e trazer novos poetas para minha vida e para este espaço. Afinal, como dizia Chico Buarque: "Vamos botar água no feijão", que está sempre chegando gente. Mas hoje começo com uma queridíssima poetisa: Dayane Rocha!

Vamos balançar:

Conheci Dayane acessando o perfil do Instagram do querido Du Leal, pois ele tinha compartilhado um vídeo no qual Dayane recitava uma estrofe na modalidade poética do Galope a Beira Mar:

Fiquei mais contente com tua chegada
que trouxe tesão carinho e afeto
pro peito que estava ficando sem teto
sem ter outro peito pra fazer morada.
Vão ficar meus versos por entre a estrada
quando essa história for ultrapassar.
Não serei a mesma quando isso passar
nem serão mais tuas minhas poesias
restaram lembranças desses nossos dias
nos dez de galope da beira do mar!

Impactado com os versos: "pro peito que estava ficando sem teto / sem ter outro peito pra fazer morada", imediatamente comecei a seguir aquela poetisa que, para o deleite de todos, estava compartilhando seus lindos escritos nas redes sociais. Dayane é natural de Afogados da Ingazeira e reside em Brejinho, distrito da cidade Tabira, que fica localizado ali, nas costelas da Paraíba, no Vale do Pajeú pernambucano. De formas que eu, residindo aqui na capital da Paraíba, não iria conhecer ela tão facilmente sem a ajuda das redes sociais. Me utilizando do pretexto principal das redes, que é aproximar, me aproximei desta poetisa. Conheci mais os seus versos e conversamos virtualmente criando uma amizade poética. Porém, foi somente no festival em homenagem ao poeta Zeto do Pajeú, acontecido no Recife, que tive a oportunidade de abraçar Dayane e conhecer um pouco mais de sua alma.

Dayane Rocha Lira

Não quero entrar aqui nos pormenores da educação formal da Dayane, pois para os poetas, apesar de essencial para todos, isso é irrelevante. Quero focar mais na sua trajetória com os sentimentos. Lá no calor do Recife, Dayane me confessou um pouco sobre as dificuldades de uma mãe solteira que precisava se performar em várias para cuidar da sua casa, do seu cavalo e do seu amor maior: Seu filhinho Ian!

Dayane começou a fazer verso lá pelos 11 anos de idade. Brincava de fazer verso na escola. E talvez essa seja a forma mais linda e certa de se criar um poeta: Brincando! Foi assistir a primeira Cantoria de Viola na adolescência. Se apaixonou não somente pelas formas poéticas dos cantadores, mas especialmente pelo improviso, pelo repente, pelo mote, pela glosa! E é aí onde ela brilha: Foi galopando no seu cavalo, Cancão, por sua trajetória como uma vaqueira que rompe o mato fechado, com sua roupa de couro que simbolicamente é representada pelo seu caráter. Parando somente numa mesa de glosa, para beber uns motes e matar sua sede poética.

Sobre a mesa de glosa, para aqueles menos atentos a poética do Romanceiro Nordestino, trata-se de uma mesa onde se juntam três ou mais poetas para glosar (improvisar) versos a partir de Motes previamente escolhidos. Essas mesas tanto podem ser organizadas formalmente, onde há cachê ou premiação, quanto informalmente, por pura diversão.

Dayane, juntamente com a poetisa Elenilda, foi pioneira nas mesas de glosa do Pajeú. Pois, como vários escopos da nossa sociedade, as mesas eram dominadas pelos homens e pelo machismo. Ambas levaram a voz da mulher e começaram a implantar nestas mesas vários outros temas que até então não eram considerados. Deixo um trecho da entrevista de Dayane concedida ao Jornal O Globo, em ocasião da FLIP - Feira literária de Paraty, relatando um pouco deste percurso:

"Faço poesia erótica e falavam: "Lá vem ela com aquela safadeza". Quando era a deles, tudo bem... Em seguida, tinha o assédio, achavam que era um convite. Tenho um livro de cordel erótico e engraçadinhos diziam: "Mas você vem junto?" - lembra Dayane. - Sempre estivemos no lugar de musas inspiradoras, por isso, para eles é natural falar dos nossos corpos. Mas quando a gente fala dos nossos desejos..."

Folheto de conteúdo erótico de Dayane

Inspirada pela coragem de mulheres poetisas da sua própria região, como Mocinha de Passira, Rafaelzinha e Severina Branca, Dayane continuou insistindo nas mesas de glosa e junto de outras poetisas da sua contemporaneidade fundou o coletivo Mulheres de Repente, o qual se propõe a revelar uma nova postura das mulheres, tanto no cenário das Mesas de Glosa, como no cenário poético como um todo.

Mulheres de Repente

Mesa de Glosa

No evento em que conheci Dayane pessoalmente, a Festa em homenagem ao Poeta Zeto do Pajeú, ela participou de uma pequena Mesa de Glosa. Sinto por não ter gravado suas glosas naquele dia, pois me recordo que foram muito boas. Mas pesquisando sobre a poetisa, encontrei alguns registros seus. Um deles está em um trabalho de conclusão de curso: PAJEÚ: O RIO ENCOSTA AS MARGENS/ NO ECO DE NOSSA VOZ de GABRIELLE VITORIA DE LIRA. Deste trabalho pincei alguns ótimas estrofes de Dayane: 

Mote:

Nossa voz é Resistência
na favela e no Sertão!

Glosa:

Resistir, eis o dilema
da nossa voz que ecoa.
Vim a terra da garoa
para molha meu poema.
Vamos quebrar o sistema
que tanto prega opressão.
Como fez Marco Pezão
durante sua existência.
Nossa voz é Resistência
na favela e no Sertão!

Mote:

Bares, praças e calçadas
são palcos da poesia!

Glosa:

Noite, palco dos poetas
do bailar das rimas loucas,
onde passam tantas bocas
em glosas analfabetas.
Onde almas inquietas
caminham sem teimosia
e o colo da noite fria
embala dores geladas.
Bares, praças e calçadas
são palcos da poesia!

Porém, todavia, entretanto Dayane não é poetisa somente de Mesas de Glosa, coisa que já é coisa demais, é também uma sonetista de primeira linha! No livro "Coletânea das Flores, Poetisas do Pajeú" organizado por Dayane e por Bruna Tavares, podemos encontrar alguns destes belíssimos sonetos. Vale ressaltar a qualidade na métrica, na rima, na oração, mas também na construção do soneto, o desenvolvimento da ideia e as conclusões perfeitas:

Cinza

Era cinza a tarde amordaçada,
sem vestígios de telas e de cores.
Só restou uma cor acinzentada
e um véu cor de cinza entre as flores.

Era cinza o aroma dos amores,
tinha cinza na beira da calçada.
Era cinza o clarão da madrugada,
tinha cinza queimando algumas dores.

Era cinza o cenário que eu via.
Era cinza o pincel da poesia.
Era cinza, só cinza e nada mais.

Era cinza o meu pranto que pingava.
Era cinza o meu sangue que sangrava.
Era cinza, era cinza a cor dos "ais".

Agonias

Horas vagas, lembranças, agonias
riam dentro de mim, como crianças.
Dos meus olhos pra fora, dores frias.
Dos meus olhos pra dentro, mil lembranças.

Nunca mais encontreis as esperanças
que perdi, procurando as alegrias.
Só restaram lamentos e vinganças
no inferno das minhas poesias.

Madrugada, loucuras, devaneios
alguns vultos trazendo os versos feios.
outros com as saudades mais bonitas.

Quem sou eu? Sou mais uma rima alheia.
Sou menor que o menor grão de areia
carregando paisagens infinitas.

Coletânea das Flores Poetisas do Pajeú

Conversei com Dayane no mês passado (Novembro/2023) numa transmissão online, abaixo está o registro. A conversa foi massa. Nela, recitei os sonetos, descritos acima, como forma de homenageá-la. A poetisa também recitou alguns poemas deixando esse papo leve e sorridente. Ela também me revelou que prepara o seu primeiro livro de poesias "Virada no Mói de Coentro" para o ano que vem (2024). Espero ansiosamente!



Na já tradicional Festa de Louro, evento cultural em homenagem ao poeta Lourival Batista que ocorre no mês de janeiro em São José do Egito, eu e Dayane tivemos uma proximidade maior. Conversamos sobre os poetas do Pajéu, sobre poesia e sobre a vida. Ah! E Claro recitamos muitas poesias com os amigos. Uma coisa que me chamou atenção neste encontro foi que eu percebi que o poeta não é somente aquele que faz poesia, mas sim aquele que vive a poesia! Porém, como ele vive a poesia e a poesia se transmuta em sua vida, assim como a vida, ela não é fácil. A convivência é difícil, conflituosa, mas, também, assim como a vida, é extremamente prazerosa.

Nas conversas com Dayane vi uma mulher moldada em dois extremos: Nas mazelas da vida e na poesia (escrita ou vivida). Uma dualidade aparentemente dispare, mas que confluem e formam um ser sorridente, cheio de vida e com um olhar melancólico sobre tudo e todos. Assim a vejo! Gosto de gente assim! Gosto de pessoas que são múltiplas, confusas e que ao mesmo tempo são doces no meio de tanto amargor. Não sei se neste texto eu fiz jus a pessoa de Dayane e a sua poesia, deixo para ela me dizer, mas que fique bem claro o quando admiro esta poetisa que, acima de tudo, é gente!

E eu lembro que minha Avó dizia quando ela conhecia uma pessoa que tinha caráter, quando ela conhecia uma pessoa que gostava e admirava: Ela é gente!

Nenhum comentário:

Postar um comentário