quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

No Balanço da Rede - Jennifer Trajano



 


O que a paraíba tem me revelado, neste meu bater de asas no céu da literatura, é que, graças aos vultos do passado que servem de inspiração e aos olhos que miram o futuro, a poesia em nossa terra não somente é prolífera, é também coisa de sangue! Acho eu, depois de olhar para os lados, que a palavra Paraíba já deveria ser sinônimo da palavra Poesia! 

No Balanço de hoje trago a vocês uma pessoa que não precisa das minhas apresentações, pois acho eu que todos, que conhecem um pouco do que está sendo produzido aqui na Paraíba no campo literário e poético, já conhecem e admiram esta poetisa.

Jennifer Trajano não somente é uma pessoa que escreve (o que já seria suficiente para este poeta), mas ela também é uma professora de língua portuguesa que propaga a poesia em cada passo de sua trajetória. Carregando seus versos no olhar e a sabedoria em sua boca, ela propaga o conhecimento com seus alunos, tanto os formais quanto nós seus alunos extraclasses.


Jennifer Trajano


Conheci Jennifer pessoalmente em um sarau e posteriormente lhe convidei para uma Live que realizo no Instagram (Vídeo ao final do texto). Muito me interessou aquela poetisa paraibana que possuía, e possui, a admiração de muitos poetas e poetisas da nossa cena. Quis conhecê-la. Conversamos, e eu pude observar de perto aquela jovem moradora da Ilha do Bispo que não somente era ativa nas redes sociais, mas que também se movia artisticamente no mundo offline.

Frisei esta questão do bairro, pois acredito piamente que o mundo ao nosso redor molda o que nós somos e os caminhos que escolhemos percorrer. A Ilha do Bispo é uma localidade de divisa entre os municípios de João Pessoa e Bayeux, e justamente por este motivo é, como todo local de divisa, bastante esquecido pelos poderes públicos. Cortado pela linha do trem que transita nas cidades da “grande João Pessoa” (Cabedelo, Bayeux e Santa Rita) e margeando o Rio Sanhauá, a Ilha do Bispo sempre nos presenteou com uma vocação artística marcada pela presença dos Tabajaras, povos indígenas que habitam a região desde sempre. Em contraste com a riqueza cultural, a pobreza social sempre foi outra marca deste que é um dos bairros mais antigos da nossa capital.

Ala Ursa Piragibe da Ilha do Bispo

Dessa forma, tenho plena certeza de que estas marcas estão tanto na trajetória de Jennifer quanto na sua poesia. Para afirmar isto busco duas referências. A primeira é a entrevista ao programa Literato da TV Cidade João Pessoa, em que ela afirma: “Eu fui a primeira pessoa da minha família a ter uma graduação, um curso superior”. A segunda é o poema que ela compôs em homenagem ao seu pai:

pedaço

a meu pai, Luiz Alberto Cavalcanti Lima

naquele tempo

em que eu não tinha

metade da tua altura

as tuas mãos

no guidom

me equilibravam


naquele tempo

em que eu tinha quase

metade da tua altura

teus pés pedalavam

meu caminho

até à escola


e todas as tarde

eram pintadas

com a cor vermelha

da bicicleta, tão forte

quanto a tua cor

nesse tempo aquarelado


hoje continuo o cântico

das duas rodas:

pedalo até o dia

em que eu tinha

metade da tua altura

e lembro do teu riso


manchado de poucos

dentes e cheio de graxa

graça que ultrapassava

o tempo

em que eu não tinha

metade da tua altura


hoje possuo

a mesma altura tua

e choro de amor

porque recordo todo

tamanho das tua mãos

que me subiam â bicicleta


sabendo que me deste

altura à altura

do que és

e te amo

com todo a certeza

de que fazes parte


de todos

os meus

tamanhos

[do andados

à

bicicleta]


neste tempo ultrapassado

que não passa

em que eu tenho

de ti internamente

mais da segunda

metade da altura tua


Estas duas referências demonstram uma cidadã que não tem medo de expor suas raízes e uma poetisa que, mesmo presente em sua localidade, precisa se aventurar em outros meios para cada vez mais evoluir como artista. Este é meu tipo de pessoa! Posso estar redondamente enganado em relação ao que estou afirmando, mas é esta a minha percepção após os meus contatos e as minhas pesquisas acerca de Jennifer.

Como citada anteriormente, eu realizei uma Live com a poetisa. Em nosso bate-papo encontrei uma pessoa simples, alegre e altamente inteligente. Após o encontro, devido a pandemia que nos assolava me impedir de adquirir antes, busquei o seu primeiro livro de poesias: Latíbulos (Editora Escaleras- 2019).


O livro, como muito bem explica a autora em sua entrevista ao programa Literato, tem sua divisão igualmente a uma missa, todavia a sacralidade é quebrada por poemas que não somente provocam, como também fervem os pecados de cada leitor. Latíbulos, ou seja, lugar onde moram os Deuses, ou também, lugar escondido, pode, na minha concepção, ser um lugar onde os poemas (os Deuses) estão escondidos, como também pode fazer uma alusão direta ao local de origem da poetisa, a Ilha do Bispo. Afinal, quase tudo cabe no ocultismo poético, desde ilhas a interpretações malucas. Abaixo alguns dos meus poemas favoritos do livro:

Varadouro


novela na tv

olhos na tela

cortinas amarradas

crateras no piso

da panela

- formigas em papel

Jesus de papel

brilhando na parede

volume alto

salto silêncio

de um gato

Dona Maria

da Dores

dorme sem notar

e os pirralhos correm

notando a rua

depois ela sai

para gritar

com a lua

que os respinga

sobre a terra


Passos


quando astros de galáxias

distante colidirem a olho nu

e a noite não menstruar a lua


quando pirâmides enquadrarem

arranha-céus e rasgando os céus

faraós aos seus postos retornarem


quando rainhas vikings saquearem

Jerusalém à sombra das oliveiras

e o santo graal jogarem ao mar


quando negras da época matarem

a branca escravidão com a força

da palavra de Conceição Evaristo


quando Dionísio não embriagar

 o eu-lírico de Hilda Hilst

só assim, Deus, tu virás a mim


Vejo que Jeniffer, como qualquer pessoa de discernimento, se permite evoluir. Buscando aqui as “Metamorfoses Necessárias da Vida” elaborada pelo filósofo Friedrich Nietzsche, vejo que a nossa poetisa passou, como a maioria de nós, pela fase do Camelo, fase em que precisamos, quando crianças, fazer reverência à tradição e seguir as “normas” estabelecidas pelos múltiplos poderes podadores. Porém, com seu livro Latíbulos, Jennifer rompe com o Camelo e abraça o Leão, momento em que há uma fragmentação da norma e que o espírito se permite a liberdade de conhecer a descrença (no sentido de duvidar e questionar tudo). Sendo assim, passando pelas duas fases iniciais da vida, a poetisa, segundo a teoria de Nietzsche, chega a fase da Criança. O termo parece contraditório, mas na verdade revela a afirmação da vida. É o momento em que o indivíduo encontra a potência e a liberdade da vontade, por isso o termo simbólico da Criança. Dessa forma, já adulta e plena de suas vontades e seus deveres, Jennifer lança o livro Diga aos Brancos que Não Vou:


Aqui encontramos a evolução citada, em que a poetisa deixa de olhar para dentro e começa abraçar o mundo. Ela nos traz poemas que representam múltiplas vozes e causas. Poemas que são eficientes em incomodar e em perturbar aqueles que ainda não realizaram suas metamorfoses e que continuam abraçados ao Camelo ou ao Leão. Não estou aqui dizendo que Jennifer concluiu seu ciclo e que ela é um sinônimo de sapiência e da perfeição humana. Talvez seja (risos). Mas o que quero dizer é que, na busca pela evolução do Ser, ela já está em um platô elevado e que agora caminha e constrói neste espaço. Abaixo os poemas que mais me tocaram no livro:


Povoação Índio Piragibe


há mentes ilhadas

na pedra-corpo

do Piragibe


todavia, há vias

às margens da via

oeste das vistas


a vir do mangue:

aqui o ba(i)rro é

de indígena, não de bispo


pátria


pela manhã vovó

mandava mainha

cozinhar congeladas

estrelas celestes

e as constelações

faziam brilhar

o fervor nas panelas


um dia nero visitou nosso céu

em tempo de cana com mel

e não havia ave

dormindo na

cadeira de balanço

ou vela de sétimo dia

para o gato na parede


então a comida queimou

e os corpos ficaram

pro dobrar os panos

e enterrado no quintal

o ventre da casa

que nunca foi nossa

perdeu o bebê


Gostaria de deixar bem claro que tudo que estou escrevendo aqui são as minhas percepções de Jennifer e que logicamente elas podem estar contaminadas pela minha admiração e a pela minha amizade poética. Mas um fato inegável é a grandeza desta que, sem dúvida nenhuma (me utilizando da personalidade profética dos poetas) será uma das grandes escritoras da nossa Paraíba. Sim, grande escritora. Pois, deixando um pouco os versos de lado, sem deixar a poesia, e se aventurando na prosa, em 2023 Jennifer lançou o seu primeiro livro de contos, o Pequenas Ampulhetas. Como, por falha minha, ainda não li o livro, deixo abaixo a excelente matéria do Jornal União sobre:


Repito constantemente, em todo lugar em que minha voz se faz presente, que gosto de gente que faz! Sou um admirador empolgadíssimo daqueles que, mesmo não estando totalmente lapidados (acho que nunca estaremos), metem a cara à tapa e gritam ao mundo suas belas verdades. Jennifer, as poucas vezes em que conversamos, me revelou isto: Verdade! Então nada mais posso dizer a ela além de um sincero e carinhoso: Continue, poetisa!




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