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O Futuro Pelas Almas Atuais |
O que a paraíba tem me revelado, neste meu bater de asas no céu da literatura, é que, graças aos vultos do passado que servem de inspiração e aos olhos que miram o futuro, a poesia em nossa terra não somente é prolífera, é também coisa de sangue! Acho eu, depois de olhar para os lados, que a palavra Paraíba já deveria ser sinônimo da palavra Poesia!
No Balanço de hoje trago a vocês uma pessoa que não precisa das minhas apresentações, pois acho eu que todos, que conhecem um pouco do que está sendo produzido aqui na Paraíba no campo literário e poético, já conhecem e admiram esta poetisa.
Jennifer Trajano não somente é uma pessoa que escreve (o que já seria suficiente para este poeta), mas ela também é uma professora de língua portuguesa que propaga a poesia em cada passo de sua trajetória. Carregando seus versos no olhar e a sabedoria em sua boca, ela propaga o conhecimento com seus alunos, tanto os formais quanto nós seus alunos extraclasses.
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Jennifer Trajano |
Frisei esta questão do bairro, pois acredito piamente que o mundo ao nosso redor molda o que nós somos e os caminhos que escolhemos percorrer. A Ilha do Bispo é uma localidade de divisa entre os municípios de João Pessoa e Bayeux, e justamente por este motivo é, como todo local de divisa, bastante esquecido pelos poderes públicos. Cortado pela linha do trem que transita nas cidades da “grande João Pessoa” (Cabedelo, Bayeux e Santa Rita) e margeando o Rio Sanhauá, a Ilha do Bispo sempre nos presenteou com uma vocação artística marcada pela presença dos Tabajaras, povos indígenas que habitam a região desde sempre. Em contraste com a riqueza cultural, a pobreza social sempre foi outra marca deste que é um dos bairros mais antigos da nossa capital.
Ala Ursa Piragibe da Ilha do Bispo |
pedaço
a meu pai, Luiz Alberto Cavalcanti Lima
naquele tempo
em que eu não tinha
metade da tua altura
as tuas mãos
no guidom
me equilibravam
naquele tempo
em que eu tinha quase
metade da tua altura
teus pés pedalavam
meu caminho
até à escola
e todas as tarde
eram pintadas
com a cor vermelha
da bicicleta, tão forte
quanto a tua cor
nesse tempo aquarelado
hoje continuo o cântico
das duas rodas:
pedalo até o dia
em que eu tinha
metade da tua altura
e lembro do teu riso
manchado de poucos
dentes e cheio de graxa
graça que ultrapassava
o tempo
em que eu não tinha
metade da tua altura
hoje possuo
a mesma altura tua
e choro de amor
porque recordo todo
tamanho das tua mãos
que me subiam â bicicleta
sabendo que me deste
altura à altura
do que és
e te amo
com todo a certeza
de que fazes parte
de todos
os meus
tamanhos
[do andados
à
bicicleta]
neste tempo ultrapassado
que não passa
em que eu tenho
de ti internamente
mais da segunda
metade da altura tua
Como citada anteriormente, eu realizei uma Live com a poetisa. Em nosso bate-papo encontrei uma pessoa simples, alegre e altamente inteligente. Após o encontro, devido a pandemia que nos assolava me impedir de adquirir antes, busquei o seu primeiro livro de poesias: Latíbulos (Editora Escaleras- 2019).
Varadouro
novela na tv
olhos na tela
cortinas amarradas
crateras no piso
da panela
- formigas em papel
Jesus de papel
brilhando na parede
volume alto
salto silêncio
de um gato
Dona Maria
da Dores
dorme sem notar
e os pirralhos correm
notando a rua
depois ela sai
para gritar
com a lua
que os respinga
sobre a terra
Passos
quando astros de galáxias
distante colidirem a olho nu
e a noite não menstruar a lua
quando pirâmides enquadrarem
arranha-céus e rasgando os céus
faraós aos seus postos retornarem
quando rainhas vikings saquearem
Jerusalém à sombra das oliveiras
e o santo graal jogarem ao mar
quando negras da época matarem
a branca escravidão com a força
da palavra de Conceição Evaristo
quando Dionísio não embriagar
o eu-lírico de Hilda Hilst
só assim, Deus, tu virás a mim
Vejo que Jeniffer, como qualquer pessoa de discernimento, se permite evoluir. Buscando aqui as “Metamorfoses Necessárias da Vida” elaborada pelo filósofo Friedrich Nietzsche, vejo que a nossa poetisa passou, como a maioria de nós, pela fase do Camelo, fase em que precisamos, quando crianças, fazer reverência à tradição e seguir as “normas” estabelecidas pelos múltiplos poderes podadores. Porém, com seu livro Latíbulos, Jennifer rompe com o Camelo e abraça o Leão, momento em que há uma fragmentação da norma e que o espírito se permite a liberdade de conhecer a descrença (no sentido de duvidar e questionar tudo). Sendo assim, passando pelas duas fases iniciais da vida, a poetisa, segundo a teoria de Nietzsche, chega a fase da Criança. O termo parece contraditório, mas na verdade revela a afirmação da vida. É o momento em que o indivíduo encontra a potência e a liberdade da vontade, por isso o termo simbólico da Criança. Dessa forma, já adulta e plena de suas vontades e seus deveres, Jennifer lança o livro Diga aos Brancos que Não Vou:
Aqui encontramos a evolução citada, em que a poetisa deixa de olhar para dentro e começa abraçar o mundo. Ela nos traz poemas que representam múltiplas vozes e causas. Poemas que são eficientes em incomodar e em perturbar aqueles que ainda não realizaram suas metamorfoses e que continuam abraçados ao Camelo ou ao Leão. Não estou aqui dizendo que Jennifer concluiu seu ciclo e que ela é um sinônimo de sapiência e da perfeição humana. Talvez seja (risos). Mas o que quero dizer é que, na busca pela evolução do Ser, ela já está em um platô elevado e que agora caminha e constrói neste espaço. Abaixo os poemas que mais me tocaram no livro:
Povoação Índio Piragibe
há mentes ilhadas
na pedra-corpo
do Piragibe
todavia, há vias
às margens da via
oeste das vistas
a vir do mangue:
aqui o ba(i)rro é
de indígena, não de bispo
pátria
pela manhã vovó
mandava mainha
cozinhar congeladas
estrelas celestes
e as constelações
faziam brilhar
o fervor nas panelas
um dia nero visitou nosso céu
em tempo de cana com mel
e não havia ave
dormindo na
cadeira de balanço
ou vela de sétimo dia
para o gato na parede
então a comida queimou
e os corpos ficaram
pro dobrar os panos
e enterrado no quintal
o ventre da casa
que nunca foi nossa
perdeu o bebê
Gostaria de deixar bem claro que tudo que estou escrevendo aqui são as minhas percepções de Jennifer e que logicamente elas podem estar contaminadas pela minha admiração e a pela minha amizade poética. Mas um fato inegável é a grandeza desta que, sem dúvida nenhuma (me utilizando da personalidade profética dos poetas) será uma das grandes escritoras da nossa Paraíba. Sim, grande escritora. Pois, deixando um pouco os versos de lado, sem deixar a poesia, e se aventurando na prosa, em 2023 Jennifer lançou o seu primeiro livro de contos, o Pequenas Ampulhetas. Como, por falha minha, ainda não li o livro, deixo abaixo a excelente matéria do Jornal União sobre:
Repito constantemente, em todo lugar em que minha voz se faz presente, que gosto de gente que faz! Sou um admirador empolgadíssimo daqueles que, mesmo não estando totalmente lapidados (acho que nunca estaremos), metem a cara à tapa e gritam ao mundo suas belas verdades. Jennifer, as poucas vezes em que conversamos, me revelou isto: Verdade! Então nada mais posso dizer a ela além de um sincero e carinhoso: Continue, poetisa!
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